Em 2008 fui estudar no Schumacher College, (Totnes, sul da Inglaterra) querendo aprofundar meu conhecimento sobre a sustentabilidade -tema que até então achava que dominava, dando palestras, escrevendo artigos, oferecendo consultorias.
Fui atrás de um tema instigante: o pós-desenvolvimento. Já nas primeiras aulas do programa “Development: What Next?” (Desenvolvimento: o que vem depois?) me deparei com o pensamento radical (no melhor sentido da palavra) de Vandana Shiva e Gustavo Esteva. A cada instante só lembrava daquela paráfrase grega do “sei que nada sei".
Durante o curso, o impacto foi crescendo. Eram descobertas fascinantes na primeira semana. Com a mente revirada do avesso, resolvi passar uma noite em claro para refazer uma apresentação que iria expor na Bélgica por ocasião de uma conferência de mulheres cujo tema central era o desenvolvimento feminino.
Dei uma escapada do curso e fui para a cidade de Liége atender o compromisso. Iniciei minha apresentação formulando uma questão que mudou o rumo dos debates: que tipo de desenvolvimento nós, mulheres, queremos?
Voltei para a Inglaterra e concluí o curso. Com a cabeça ainda do avesso, passei a refletir sobre esse desenvolvimento fabricado pelo poder masculino e pelos países economicamente mais fortes.
Essa reflexão não só elevou meu nível de consciência sobre o que estava diante dos olhos (e que eu ainda não estava enxergando bem), mas também antecipou o futuro que já emergia do meu desconforto com a realidade que tem afetado especialmente as mulheres.
De lá pra cá, tenho pensado na proximidade construtiva entre o universo feminino e os novos modelos de desenvolvimento, pautados pela colaboração entre seres, comunidades, cidades e nações.
Que desenvolvimento é esse?
Em vez de fomentar a inclusão, a integração, o cuidado e o acolhimento, tão próprios do universo feminino, esse mundo que se diz desenvolvido tem se sustentado na segregação, exclusão e fragmentação dos sistemas humanos e naturais, fazendo a sua própria espécie chegar cada vez mais perto do fim.
O desenvolvimento capitalista tem gerado enormes riquezas para alguns, mas devastado o planeta. A biodiversidade está em extinção a uma taxa mil vezes mais rápida do que a taxa natural observada nos últimos 65 milhões de anos
Não foi capaz de gerar bem-estar humano em larga escala (de acordo com recente estudo do Centro para a Saúde e Meio Ambiente da Escola de Medicina de Harvard).
Há muito o que ser reparado e reconstruído pela ótica feminina. O ônus da devastação ecológica e do crescimento irresponsável pesa ainda mais sobre as mulheres em suas múltiplas funções sociais e em sua condição biológica de quem gera a vida.
Não há melhor momento do que esta crise para repensarmos o tipo de desenvolvimento que queremos e como inserir princípios femininos que traduzam a quintessência de um mundo pós-desenvolvido.
O desenvolvimento do crescimento ilimitado não pode continuar justificando a destruição ambiental e prejudicando a qualidade de vida da humanidade, em nome do crescimento do PIB.
Para entender o desenvolvimento tal qual foi concebido nos últimos cinquenta anos, temos que passar pela histórica dualidade entre os que “possuem” e os que “não possuem”, entre o Norte e o Sul, entre os desenvolvidos e os subdesenvolvidos.
Esse é um modelo criado pelos vencedores da Segunda Guerra, em particular, pelos EUA que passaram a orquestrar a economia mundial na base da dominação e da exclusão.
A felicidade que antes era preenchida pela suficiência foi substituída pela necessidade insaciável que movimenta os mercados e a roda-viva da economia, perpetuando a dependência do consumo e acendendo a chama da ganância.
Populações inteiras e plenas de potencial criativo foram colonizadas pela ideia de que há algo além de suas possibilidades, gerando um sentimento de eterna frustração em torno daqueles que não foram incluídos no sistema econômico.
O Dia Internacional da Mulher não é apenas para cumprimentar as mulheres que admiramos, mas também para lembrar que depois de cinquenta anos de revolução feminista as mulheres carregam o maior peso da desigualdade.
Falando das brasileiras: a cada 12 minutos morre uma mulher vítima de violência doméstica; ocupam precariamente 8% dos cargos políticos do país.
Representam globalmente 70% dos analfabetos e apesar de serem as responsáveis pelo cultivo da maior parte dos alimentos que comemos, não têm acesso à propriedade das terras.
Das duzentas maiores empresas brasileiras apenas três têm uma mulher no comando e certamente muitas delas sob modelos de liderança masculinos hostis à sua realidade feminina.
Diga-se de passagem, já há algum tempo, uma corrente de mulheres bem-sucedidas em suas profissões, competentes e que ocuparam cargos importantes nas empresas, abriram mão de sua carreira para cuidar da família em busca de um alivio emocional.
Desenvelopando o desenvolvimento
Realmente não é bem esse o desenvolvimento que vai fazer a humanidade florescer e tornar possível a vida na Terra. Em resposta a esse insustentável modelo, muitos movimentos e inovações estão (des)envelopando esse desenvolvimento que na gênese da palavra traduz o des-fazer do que poderia já estar feito, do des-envolver daquilo que poderia envolver o coletivo no econômico construtivo.
Grandiosas mudanças estão emergindo como frentes não só de resistência como (e principalmente) de evolução.
Somos todos da geração pós-guerra e vivemos ainda o desenvolvimento revestido de crescimento insustentável. Estamos cada vez mais deslocados no ambiente de trabalho.
Queremos pular o muro para entrar no quintal dos empreendedores que fazem do Brasil destaque mundial entre os que fazem por conta própria (estudo GEM Global Entrepreneuship Monitor de 2016).
Sistemas educacionais arcaicos já esgotaram nossa paciência, e principalmente a paciência dos que ainda têm de sentar em bancos escolares pontualmente. Mas muitas inovações começam a transformar escolas em centros de genuíno saber.
Nesse fim de ciclo aparecem os sintomas como, por exemplo, as erupções conservadoras da era Trump e a atual onda conversadora pipocando pelo mundo.
Mas o futuro está mais perto do que se imagina. Grandes transformações estão a caminho. Uma nova civilização já está germinando.
A cultura patriarcal que incorporamos durante oito mil anos está por um fio, seja na sala de aula, no trabalho ou dentro de casa.
A visão integral da realidade está desinstalando a velha ideia de separação entre Ciência e Espiritualidade, Norte e Sul, Razão e Emoção, Feminino e Masculino, Esquerda e Direita, Trabalho e Lazer, Humanidade e Natureza.
A competição já é palavra indigesta nas rodas de conversa. A colaboração entra como valor nos planos de negócio. O sistema financeiro começou a colapsar em 2008 (ano em que estudei no Schumacher) e ainda está colapsando.
Novos indicadores entram nas agendas públicas fragilizando a lógica do PIB. Países com mais recursos naturais já representam contrapartida na falência dos recursos financeiros.
O acordo de Paris consolida a constatação de que o planeta está fervendo, incluindo a febre raivosa do Trump.
Escolas renomadas de business já incluem a felicidade como indicador evolucionário. Valores femininos já integram o perfil das cartilhas de RH das grandes empresas.
O mundo pós-desenvolvido requer um olhar mais feminino simplesmente porque “uma mulher é um circulo pleno; dentro dela está o poder de criar, nutrir e transformar.
"Uma mulher sabe que nada pode se concretizar sem luz. Vamos chamar a voz e o coração da mulher para nos guiar nesta era de transformação planetária”. (Diane Mariechild).