Uma das mais importantes contribuições do Renascimento para a história da humanidade foi a valorização do trabalho, que na Idade Média os senhores do poder circunscreveram à servidão de pobres escravos.
Já na Renascença, os trabalhadores faziam o que faziam com prazer, sendo muito bem remunerados pelas suas habilidades e criatividade.
Traduziam a vida através daquilo que produziam. Pintores, escultores, carpinteiros, sapateiros, alfaiates, ourives, joalheiros, ferreiros e tantos outros “fazedores” floresceram em seus ofícios colocando a economia a seus pés.
Na Revolução Industrial esse fenômeno se inverteu. A economia passou a impor a velocidade das máquinas e a economia de escala, massificando a produção.
Trabalho passou a ser sinônimo de obrigação e sacrifício. Trabalhadores começaram a correr atrás da produtividade para fazer ampliar o acesso a bens e acompanhar a aceleração dos novos tempos.
Apesar de já termos ingressado na era da informação, a que muitos chamam de era pós-industrial, ainda estamos vivendo como se fôssemos novamente servos, só que dessa vez não servindo a senhores poderosos mas nos submetendo àquilo que nós mesmos criamos: as máquinas, entre elas, o relógio.
Para que tantas tecnologias se trabalhamos cada vez mais e nos divertimos cada vez menos?
Nos ultimos dez anos, ainda no curso da globalização que demanda crescente competitividade, estamos na exaustão de corpos e mentes, como se vivêssemos uma ressaca, saindo de um sistema moribundo e desgastado, querendo ingressar num modelo mais viçoso, equilibrado e sustentável.
Estamos tentando resgatar um valor precioso que haviamos esquecido pelo frênesi do relógio: o bem viver.
Facilitados pela crise financeira e pelas ferramentas tecnológicas em profusão, sentimos a escassez de recursos tangíveis, começamos a enxergar a abundância dos recursos intangíveis, que o futurista Alvin Toffler identificou como riqueza revolucionária.
O dinheiro está dando lugar a outras moedas de troca que se traduzem por outros valores não-tangíveis como tempo, criatividade, solidariedade, colaboração.
Começamos a descobrir que existe vida abundante num mundo que esquecemos de reconhecer, e que a economia industrial apagou dos registros contábeis oficiais. De trabalhadores estamos nos tornando produtores.
Cada vez mais produzindo e consumindo ao mesmo tempo, como o próprio Alvin Toffler profetizou no inicio dos anos 80 quando escreveu um capítulo inteiro no livro “A Terceira Onda” sobre o fenômeno do Prosumidor (aquele que é produtor e consumidor).
No Renascimento havia poucos produtores como Leonardo Da Vinci e Michelângelo — gênios dotados de talentos fenomenais.
A produção era também restrita, porque nem todos eram gênios e talentosos como eles — a ponto de dependerem de suas mãos, mentes e corpos para ganharem o pão de cada dia.
Não havia ferramentas tecnológicas como as que temos hoje e que nos permitem fazer coisas impensáveis há pouco tempo atrás.
Somos prosumidores, consumidores-autores, fazedores. Estamos fazendo parte da revolução dos “Makers”, versão tecnológica do que antes se chamava “faça-você-mesmo”.
O que é ser um Maker? É ser um Michelangelo intermediado pela Internet, pelos aplicativos de produção de vídeos, pelas impressoras 3D que permitem fabricação individual de qualquer bem de consumo (até medicamentos), pela robótica, pelos aparatos de inteligência artificial raciocinando mais rapido que nossos cérebros.
Podemos fazer muitas coisas sem ir ao escritório, sem sair de casa, sem ter que respirar ar poluído no trânsito.
No futuro poderemos consumir sem ter que comprar. Faremos quase tudo e muito mais. Estamos apenas no começo dessa revolução que eu chamo de Neo-Renascimento do Trabalho.
A convergência tecnológica integrando o virtual com o físico, a biologia com a computação, a inteligência artificial com a inteligência humana passará a nos servir e nos render glórias, assim como os milionários mecenas rendiam glórias aos gênios renascentistas.
Não podemos cometer o mesmo erro que cometemos com a revolução industrial. Em vez de fazermos as máquinas nos servirem para vivermos com mais tempo livre, passamos a servir as máquinas e a trabalhar mais (e apesar delas).
O mercado de trabalho poderá se transformar em paraíso (na parceria produtiva entre trabalhadores autorais e tecnologias) ou em inferno (na submissão destrutiva do trabalhador superado pelas tecnologias e excluído do sistema econômico).
As legislações e os sistemas de governança — para salvar a humanidade de uma crise sem precedentes — deve adotar a direção correta, com visão de longo alcance e com foco na sustentabilidade das pessoas e da natureza.
Estudo realizado pelo Projeto Millennium (“Trabalho e Tecnologia 2050”) indica que se nada for feito para expandir e favorecer novos modelos de trabalho, o desemprego será massivo, em torno de 50% até 2050.
Diante dessa grande revolução que está se acelerando, os empregadores devem começar a se movimentar seriamente na direção de novas formas de produzir e comercializar seus produtos e serviços. Reinventar-se é o imperativo desses próximos 10 anos.
O estado não é de conforto, mas é importante lembrar que é em situações desconfortáeis e em momentos de transição que residem as grandes inovações.
Originalmente publicado no Diário do Comércio em 7/12/2015