“Os analfabetos do futuro não serão aqueles que não sabem ler ou escrever, mas aqueles que não sabem aprender, desaprender, e reaprender.” Alvin Toffler
É nas escolas que as novas gerações poderão aprender a criar o futuro que desejam. Afinal, só temos aprendido o passado. Que tal aprendermos também o futuro?
Olhando para trás e percorrendo os últimos vinte e cinco anos num flashback imaginativo, dá para ter ideia da magnitude das mudanças que hoje vivemos e que irão continuar mais rápido daqui em diante.
Vinte e cinco anos atrás a Coreia começava a competir com os EUA na indústria de transporte, informação e comunicação; não existia a União Europeia, nem a Organização Mundial do Comércio, nem o Tribunal Penal Internacional. Não tínhamos a AIDS, os transgênicos de toda ordem, ônibus espaciais, telefones celulares, internet… Casamento gay era sacrilégio, ensino à distância em tempo real era cena de ficção científica, consumidores colaborando na criação/produção de produtos que ele mesmo viria a utilizar, quem poderia imaginar? Grupos de aprendizagem coletiva, centros de pesquisa abertos a cidadãos comuns, livros eletrônicos Kindles descartando livros de papel, música digital disponível free nas máquinas de todos os tamanhos, a consciência de que a vida pode ter fim com o aquecimento global, tudo além da imaginação. A ovelha Dolly, o ataque às torres gêmeas e a invasão Wikileaks seriam fruto de imaginações delirantes.
No campo do ensino, as tecnologias aplicadas nas escolas eram utilizadas mais para melhorar a qualidade do conteúdo do que para potencializar a capacidade de aprendizagem. Tempos do ábaco, de atenção farta, da tabuada na cola, do estojo com cheiro de madeira, não voltam mais.
Se as tendências atuais tendem a se acelerar, vai acontecer o que o inventor-futurista Ray Kurzweill tem propagado: esse século irá assistir a mudanças tecnológicas numa escala 80 vezes maior do que no século 20. Isso sem falar no mutante quadro geopolítico do mundo que já começa a revelar uma reorganização das forças de poder do norte ao sul.
Diante desse novo mundo, o que as escolas e centros de aprendizagem podem fazer para que o choque do futuro que o Alvin Toffler profetizou nos anos 80 não seja tão intenso? Como podemos tirar proveito dessas mudanças?
Aqui alguns caminhos que percorro nesse passeio pelo futuro, que pelo que parece, já está batendo na porta.
Estudar para o futuro
Como aprender a conviver com as mudanças? Como aprender a implementá-las? As nossas escolas preparam pessoas para o que virá? Certamente não. As mudanças pelas quais passamos constantemente só poderão ser destiladas em soluções se formos capazes de nos orientar para o futuro.
Um dos aspectos que definem uma sociedade é sua atitude em relação ao tempo. O Brasil, eterno país do futuro, atuando na contramão do seu destino programado, tem se orientado excessivamente pelo presente e se mobilizado sempre para o curto prazo, o que nos torna uma sociedade atrofiada pelo imediatismo. Esse nosso insistente apego pelo presente retroalimenta nosso comportamento e nos limita na capacidade de criar um projeto de nação que fortaleça nossa autoestima, defina nossa identidade e nos eleve multidimensionalmente como referência mundial.
É nos espaços da escola que essa mudança temporal de olhar o mundo deverá ocorrer, principalmente no ensino fundamental que tem perdido toda a riqueza imaginativa inerente às crianças.
As escolas precisam reexaminar o horizonte temporal que aplica no seu sistema de aprendizagem e mudar as perspectivas abordadas nas salas de aula, já que desde nossa tenra infância, nunca aprendemos o futuro nas salas de aula. Muito pelo contrário: sempre aprendemos o passado e fomos punidos por ele, caso não conseguíssemos memorizar infinitos números e datas. Nossos cérebros foram sempre demandados a processar o que já foi e nunca o que será ou que poderá ser. Se em vez de só sermos avaliados pela capacidade de registrar o passado, engessando nosso potencial criativo, fôssemos avaliados pela capacidade que temos de imaginar mundos possíveis, o que poderia acontecer? Como estaríamos enfrentando os desafios atuais? Certamente com muito mais proatividade e segurança.
As escolas de ontem e de hoje sempre estiveram presas nesse lapso temporal. Diante dessa macrotransição histórica, precisam conectar-se com o que irá acontecer, com o que poderá acontecer e com o que poderão ajudar a fazer acontecer, preparando essa nova geração a dar sentido ao seu futuro, ao nosso futuro comum.
Novas realidades cognitivas
Estudos revelam que a exposição constante a estímulos digitais, como games, equipamentos móveis, sobreposição de imagens, pode mudar o cérebro e a maneira como ele percebe as coisas e processa a informação. Tudo indica que os cérebros dessa geração que Don Tapscott (Wikinomics) denomina de “geração digital” têm mudado.
Diante disso, ao formar profissionais para o futuro, nas escolas o aluno não pode continuar sendo passivo, restrito a apenas olhar, ouvir, memorizar. A nova proposta pedagógica sustentada pela interatividade supõe participação, cooperação, bidirecionalidade e pluralidade de conexões entre conhecimento, informação e atores participativos. O ambiente 2.0 veio expandir todas as múltiplas possibilidades na dança informativa multimídia dos hiperlinks, wikis, twitters, redes sociais diversas, criando espaços para que as escolas ocupem e façam os alunos criarem ideias a partir de imagens, inventando e reinventando tudo o que pode tocar, ver, cheirar, ouvir, respondendo a estímulos multissensoriais, transformando e construindo tudo aquilo que está ao seu alcance.
A escola deve ser esse espaço das infinitas possibilidades para deixá-las todas ao alcance dos alunos que precisam desenhar o mundo que desejam a partir de um novo imaginário e de uma nova realidade cognitiva.
Aprender a desaprender
A vez do especialista consagrado pela era industrial está chegando ao fim. A era do conhecimento requer perfis latitudinais, multifuncionais, policompetentes. Nessa era de mudanças velozes é preciso sair das amarras da especialidade e abrir as portas dos silos de conhecimento, abrindo-se para o novo. Tempo de desaprender e reaprender à luz de um novo olhar sobre a mesma realidade. Como especialistas não somos mais nada do que guardiães de um saber sem validade, resultado de um diploma também com prazo de validade.
Os principais desafios e multicrises que definem esse novo milênio (violência, globalização da inflação, escassez da água, exclusão social, volatilidade da moeda, alta no preço dos alimentos, aquecimento global e tantas outras) requerem soluções que transcendam disciplinas individuais em suas categorias (por exemplo, engenharia, geografia, psicologia, matemática, economia). Os novos programas nas escolas devem se esforçar para descobrir o que há de comum entre essas disciplinas e criar ambientes favoráveis para que os alunos identifiquem caminhos comuns que levem a uma vida sustentável. “Sustentabilidade XXI, educar e inovar sob uma nova consciência” é uma obra com visões inovadoras assinada pelo empresário Rodrigo Loures; ele se pauta no princípio da “educação na sustentabilidade” como passo evolutivo da educação ambiental, integrando todos os sistemas que afetam a vida no planeta.
A escola que vem de dentro
Afogados que estamos pelas afluências, sobras, excessos e obsolescências materiais e simbólicas, estamos sedentos de silêncio, vazio e interioridade. Sobre a interioridade, nenhuma escola trata. Como se estivéssemos vivendo apenas um lado da realidade e jogando fora todo o potencial criativo. Afinal de contas, somos completos. A única espécie com capacidade de enfrentar o mundo exterior e o mundo interior ao mesmo tempo.
Estamos tentando cuidar do mundo exterior, do botox ao aquecimento global. Mas o que estamos fazendo com relação ao mundo interior? Esse mundo no qual se ancora a nossa existência, ao qual recorremos para tomar decisões e imaginar o que queremos não está na constelação didática das escolas.
Esse deslocamento do subjetivo e do interior nos tem afastado da fonte inesgotável de riqueza que vem de dentro e no qual encontramos um infinito número de possibilidades, como se ainda não tivéssemos aberto a Caixa de Pandora de nosso destino.
O caminho está na incorporação do imaginário e do intangível em cada disciplina que compõe as grades curriculares e deixar fluir o que falta: a imaginação, o sonho, o tácito, o intocável, o não-visto. Na obra recém-lançada “Educação para a Era da Sustentabilidade”, Arnoldo de Hoyos, professor de Estudos do Futuro da PUC-SP nos inspira com visões sobre educação e sustentabilidade e nos coloca em contato com pensadores como Alceu de Amoroso Lima, que escreveu em 1954 “Meditação sobre o mundo interior”, do qual foi pinçada essa linda reflexão: “O homem completo, isto é, o homem normal é aquele que vive interiormente sua vida exterior e não sepulta em si, egoisticamente, sua vida interior”.
Viver a vida em sua intensidade e plenitude requer ir além da materialidade e alcançar valores intangíveis tão sagrados na agenda dos processos criativos. Por isso, temos que antes de tudo, instalar uma escola permanente dentro de nós, tonificar nossos sentidos, flácidos pelos modelos, construir nossos castelos e alicerçá-los de valores universais, estruturando a base dos ensinamentos que irão nos fortalecer e capacitar para viver a vida, não como ela é, mas como desejamos que seja.
Estudo do Projeto Millennium − Futuros Possíveis para a Educação e Aprendizagem 2030
O Ministério da Educação e Desenvolvimento de Recursos Humanos da Coreia do Sul pediu à rede de pesquisadores do Projeto Millennium, rede internacional que estuda o futuro de grandes temas da humanidade, uma avaliação de possibilidades futuras no campo da educação e aprendizagem visualizando o horizonte de 2030 como a ancoragem de planos de longo prazo.
Quais são algumas das possibilidades de ensino e aprendizagem para o ano 2030? O que podemos fazer hoje para tirar proveito dessas novas possibilidades? Já que novas ideias podem levar a caminhos inusitados, é prudente perguntar o que de negativo e o que de positivo poderia delas surgir?
Para responder a estas perguntas, os pesquisadores recolheram mundialmente as visões de 213 especialistas em educação e áreas correlatas. Essas são algumas das possibilidades voltadas ao mundo high-tech para a educação em 2030:
• Programas para melhorar a inteligência coletiva
• Conhecimento e aprendizagem just-in-time
• Educação individualizada
• Uso de simulações
• Avaliação contínua dos processos de aprendizagem individual para prevenir instabilidade emocional e doenças mentais
• Nutrição individualizada para melhor desenvolvimento cognitivo
• Inteligência geneticamente aumentada
• Uso de simulações globais on-line como ferramentas de pesquisa social
• Utilização de comunicações públicas para ajudar na busca do conhecimento
• Dispositivos de inteligência artificial portáteis
• Mapeamento completo das sinapses humanas para mapear os processos de aprendizagem
• Mecanismos para manter cérebros adultos saudáveis por períodos mais longos
• Química para o aprimoramento do cérebro
• Web 17.0 – integração de dados, análises, discussões, fóruns numa estrutura organizada e semântica. A Web Semântica que utiliza realidade virtual e contém um sub-sistema inteligente
• Sistemas integrados de aprendizagem ao longo da vida
• Programas que visam à eliminação dos preconceitos e ódio
• E-teaching: sistemas eletrônicos de inteligência para professores
• Computadores com inteligência extra-humana
• Micróbios artificiais para aumentar a inteligência
• O ensino da moral e a aplicação de novas métricas (inteligência emocional e inteligência espiritual)
• O cérebro global: o desenvolvimento de um conhecimento coletivo a caminho da formação de um cérebro global e de novos estágios da consciência humana
• Estudos inter-religiosos e inter-culturais
• O uso crescente de jogos, incluindo jogos on-line para o aprendizado
• Unidades modulares de conhecimento: ferramentas de gestão para que cada aluno possa baixar o que precisa
Todos esses futuros possíveis servem como sinalizadores de caminhos estratégicos que levem a um novo sistema de ensino e aprendizagem. Provavelmente muitos desses avanços não estejam disponíveis para todos em 2030, mantendo ainda as lacunas no conhecimento e nas capacidades e talentos. Questões de custo, interesses políticos e resistências de grupos de interesse, e, principalmente, o medo das instituições vigentes de perderem o poder instalado frente às novas capacidades educacionais. Esses são aspectos intangíveis que o estudo não ilustra com evidência e pressupostos de uma economia sustentável, que só poderá ser realidade através da formação de novas lideranças que nasçam de um novo sistema de educação.