A utopia brasileira é uma colcha de retalhos

O Brasil foi batizado como o país do futuro, mas a política do país tem tido  confronto histórico com o longo prazo. Os modelos de governança perderam o elo de esperança entre todos os setores da sociedade, como se tivessem sequestrado todos os sonhos brasileiros. Com a atual crise política sem precedentes que os brasileiros enfrentam, o descontentamento vago e difuso começou a se transformar em descrença, resultando em fadiga em relação a um futuro que parece nunca chegar. A corrupção generalizada e o desmantelamento ético das instituições governamentais colocam o país na encruzilhada em relação ao seu futuro. A política brasileira tem sido, ao longo da história, um obstáculo ao avanço do planejamento de longo prazo que tornaria o Brasil o país do futuro. Oscilando na criação de seu futuro, o Brasil parece preferir ser o país do presente.

A governança tradicional é cega e irresponsável em relação às implicações e decisões de longo prazo. A crescente complexidade dos problemas requer um pensamento complexo.

A governança tradicional é cega e lenta para as implicações de longo prazo de suas decisões. As opções são lineares diante de problemas complexos que exigem integração sutil e contínua da política com o gerenciamento de mudanças.

De muitas maneiras, o sistema  capitalista dentro de um governo  democrático parece ser ideal para a adaptação às mudanças tecnológicas aceleradas.  No entanto, em meio à euforia e o deslumbramento pelas promessas tecnológicas, persiste a visão atrofiada de quem governa.

As tecnologias  são usadas para atender desejos imediatos, são gratificações instantâneas. Existe um vício pelo curto prazo, uma doença que foi fatal na construção de um projeto nacional.

Sem política não há futuro; os governadores precisam agir proativamente; mas eles só agem reativamente, apagando incêndios. Através desta atrofia imaginativa e temporal, o Brasil precisa de um grito político que enfrenta a melancolia reacionária, a auto-preservação paralisante. O futuro foi dramaticamente segregado da nossa  política.

Como a utopia brasileira se tornou uma colcha de retalhos

A visão de futuro brasileira nasceu pela utopia de duas  obras literárias: A História do Futuro, primeira publicação futurista escrita por um  jesuíta português: o padre Antonio Vieira. A outra é Brasil, um país do futuro, cujo autor é Stefan Zweig, refugiado alemão durante a segunda guerra mundial.

O futuro sonhado pelo colonizador jesuíta seria um Brasil cristão dominado pelo império português, que se materializou no século XIX; o futuro retratado pelo imigrante era uma projeção de uma civilização que ele amava.

Apesar da importância destas duas obras, tanto a visão de dominação como a visão de contemplação elas não foram capazes de instalar na cultura brasileira o valor da antecipação como mecanismo de desenvolvimento estrutural. A resistência ao futuro imperou.  Eu associo essa resistência a uma colcha de retalhos.

Colorida, remendada, uma parte antiga, outra parte nova, uma grande mistura resistente a todas as ameaças. Essa metáfora não tem necessariamente um significado negativo, embora uma colcha de retalhos represente algo multifacetado, desintegrado, separado por vários trechos.

A colcha é uma mistura de linho, malha, poliéster, vários tecidos difíceis de rasgar. Os brasileiros são peças resistentes e resultam de uma politica feita aos pedaços.

Sempre nos misturamos em raças, religiões, culturas, assim como misturamos 35 partidos políticos. Vivemos com outras personalidades e em cada cidadão instalaram-se os múltiplos países que existem num só.  Sem mencionar os futuros interrompidos, como se fossem remendos de uma grande colcha, em todos os momentos políticos.

A atual crise é sintoma tardio da ausência de um projeto nacional, e a presença de futuros fragmentados, como se fossem as peças de uma colcha nacional. A euforia e o imediatismo de nossas lideranças sempre triunfaram sobre o longo prazo.  Nunca tivemos um plano nacional de longo alcance.

Os que foram criados, estão ainda hoje arquivados. Tivemos pedaços de projetos (ou vários projetos nacionais) que num próximo artigo irei relatar.

O futuro apesar da política

O sociólogo espanhol Manuel Castells Networks abre seu livro Redes de Indignação e Esperança (2013)  relatando a ruptura que ocorreu com a Primavera Árabe e com o movimento Occupy de Wall Street:

Os magos das finanças passaram de objetos de inveja pública a alvos de desprezo universal. Os políticos foram expostos como corruptos e mentirosos. Governos foram denunciados. A confiança desapareceu e confiança é o que une a sociedade, o mercado e as instituições.

Os jovens hiperconectados pelas ágoras virtuais tentaram fazer transformações e derrubar governos tiranos. Esse é um novo tempo em que os planos prospectivos criados por pequenos grupos e elites já não vão mais funcionar.

O futuro para poder ser realidade presente necessita ser criado coletivamente e ser apropriado por todos os setores da sociedade. Este é um novo momento. Planos prospectivos criados por pequenos grupos e elites não funcionarão mais. O futuro da nação precisa ser criado coletivamente.

No Brasil, 92% dos jovens acreditam em sua própria capacidade de mudar o mundo e 70% são mais informados do que seus pais. As tecnologias de informação e comunicação e as tecnologias móveis estão sendo criadas para permitir o monitoramento da gestão pública e o acesso democrático às informações sobre os governos.

É um fenômeno democrático irreversível que pode mudar a perspectiva do futuro até o tempo reservado àqueles que detêm o poder político.

Por todas as iniciativas de planejamento que existiram em nossa história, podemos constatar que o futuro brasileiro é resistente à política, mas não o suficiente. Perdemos de vista o longo prazo.

De retalho em retalho, a colcha se amplia e se interrompe de forma recorrente o planejamento do país por falta de propostas voltadas ao futuro. Assistimos ao abandono de projetos nacionais sempre dando prioridade a emergências de contas públicas que resultam em intermináveis medidas orçamentárias e conjunturais, dando alivio imediato porém sem olhar para o amanhã.

Essa atrofia temporal se manifesta na crise atual por falta de planejamento de longo prazo, que afeta a todas as áreas e é um obstáculo para o desenvolvimento sustentável. Além de interromper nossos futuros, essa política que se encontra em decomposição moral perdeu o vínculo com o que restava de esperança entre todos os setores produtivos e atores sociais. Como se os sonhos dos brasileiros tivessem sido sequestrados.

De fato o Brasil parece preferir ser o país de presente

Mas a história mostra que novas eras nascem de crises profundas como as que estamos vivendo. Penso que do caos nascerão sementes do novo, germinadas pelas novas gerações.

Para que o Brasil encontre o seu destino de ser o país do futuro serão necessários novos modelos de fazer politica que incluam a democracia antecipatória (conceito de Alvin Toffler) como modelo de governança. Todos juntos criando visões de futuros compartilhadas que inspirem e faça voltar a esperança.


Esse texto foi extraído do artigo “La utopia brasileña es una colcha de retazos”  de minha autoria – publicado no Compêndio Escenários Futuros para America Latina e Caribe disponível aqui em espanhol.

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